Pantanal recebe primeira edição de evento cujo objetivo é resgatar o uso tradicional do fogo como aliado da conservação

15/04/2025

 Alicce Rodrigues

Evento foi realizado entre 03 e 05 de abril e reuniu brigadistas, fazendeiros e colaboradores, comunidades locais, organizações públicas e não-governamentais, além de bombeiros, pesquisadores e Prevfogo

O coração do Pantanal foi palco da primeira edição dos "Dias de Campo: para Resgate do uso tradicional do fogo no Pantanal", evento realizado entre os dias 3 e 5 de abril, nas Fazendas Xaraés e Alegria, nas regiões de Miranda-Abobral e Nhecolândia - MS.

O evento reuniu mais de 50 participantes para diálogos, vivências e demonstrações práticas sobre o uso do fogo como uma ferramenta tradicional e necessária para o manejo sustentável do bioma e suas paisagens.

Alicce Rodrigues


Diretor-executivo do Instituto Terra Brasilis, Reinaldo Lourival, foi quem propôs o evento. Ele conta que o instituto já trabalha para a construção de um sistema de monitoramento do fogo desde os anos 2000. "Começamos com o programa de capacitação de brigadas e estruturação das brigadas pantaneiras. Agora, acabou evoluindo para esse caminho de retomar o trabalho com fogo em função da emergência que estamos vivendo: do volume, da frequência e da intensidade desses eventos extremos, que estão conectados com o clima", disse.

Lourival afirma, ainda, que muitos pensam que o trabalho de formação é caro, mas o prejuízo causado pelo fogo é ainda maior. Por isso, os Dias de Campo contaram com a presença do pesquisador português Emanuel de Oliveira, que pode apresentar a experiência do Manejo Integrado no Fogo em seu país "Em 2017, teve um acidente muito sério e morreram mais de 100 pessoas na estrada, consumidas pelo fogo florestal, em Portugal. Essa situação fez o país virar a chave e compreender que não dá para atuar num sistema ou num momento em que tem uma crise climática da mesma forma que se agia no passado. Por isso, a necessidade de trazer exemplos de fora daqui, colocar isso junto numa roda de conversas, para ver o que aprendemos e como podemos avançar", explicou.

Fogo como aliado, não vilão

Durante décadas, campanhas institucionais trataram o fogo apenas como uma ameaça ao meio ambiente. No entanto, estudos científicos e a sabedoria popular pantaneira demonstram que, quando bem manejado, o "fogo prescrito" pode cumprir funções ecológicas importantes: controlar espécies invasoras, renovar pastagens e reduzir o material combustível que alimenta grandes incêndios.

"O fogo, quando controlado e prescrito, pode ser um aliado da conservação no Pantanal. Esse encontro buscou justamente resgatar a relação entre quem vive no

bioma e o uso tradicional do fogo, promovendo o entendimento de como utilizá-lo de forma estratégica e sustentável", afirmou Rafaela Nicola, Diretora Executiva da Wetlands International Brasil e Coordenadora Científica da Mupan – Mulheres em Ação no Pantanal.

Alicce Rodrigues


Durante os três dias de atividades, participantes compartilharam experiências, resgataram memórias e participaram de uma demonstração prática de queima prescrita. A ação foi realizada sob condições climáticas favoráveis, com todos os protocolos de segurança.

Gerente da Unidade de Conservação do Imasul, Leonardo Tostes Palma explica que o manejo do fogo é queimar de uma forma controlada e branda. "É uma forma que não vai causar impacto ao ambiente, mas vai permitir com que a gente não tenha grandes incêndios florestais. Esse é o objetivo da nossa ação neste ano e muitas entidades estão envolvidas para aprender um pouco como isso acontece, mas, principalmente, para dar, lá na frente, uma segurança para as unidades de conservação", disse.

Para o major Teixeira, do Corpo de Bombeiros, o incêndio faz parte da rotina pantaneira e a corporação está sempre pronta para atender, desde as ocorrências até a formação de brigadas, por exemplo. "Quanto mais próximo das comunidades e dos produtores estivermos, melhor será nossa resposta, mais eficiente e com menor dano ambiental", assegurou.

O diretor do Sindicato Rural de Corumbá, Luciano Leite, explica que as parcerias são fundamentais para que a região pantaneira não seja tão afetada quanto foi em 2020. "A gente buscou essas parcerias para combater os incêndios na região do Pantanal. Estamos entrando já no período de seca e (a expectativa) é que, agora, a partir de abril não aconteça o que houve no passado recente", destacou.

Coordenador estadual do PrevFogo-Ibama, Márcio Yule afirmou que o dia de campo sobre uso do fogo no Pantanal é extremamente importante no cenário de mudanças climáticas e ambientais. "Há, pelo menos 25 anos, a gente trabalha nessa perspectiva de manejo integrado do fogo e é muito importante, nesse momento, aqui na região do Pantanal fazer o resgate do uso do fogo pelas populações tradicionais pantaneiras. Precisamos observar a ecologia do fogo e colocá-lo onde é extremamente necessário como fator de proteção, principalmente no período crítico", pontuou.

Protagonismo pantaneiro e políticas públicas

Para a Diretora geral da Mupan e Coordenadora de Políticas da Wetlands International Brasil, Áurea Garcia, "todos os esforços de diferentes atores para a prevenção de incêndios, com o manejo integrado do fogo, com o resgate do uso tradicional do fogo, são fundamentais para a implementação de políticas para a manutenção da qualidade e saúde das populações e suas economias e modos de vida".

Os Dias de Campo também discutiram como as políticas públicas podem incorporar os saberes tradicionais e garantir a participação ativa de comunidades pantaneiras no enfrentamento dos incêndios florestais, sobretudo diante das mudanças climáticas e eventos extremos cada vez mais frequentes.

No último dia, foi realizado uma capacitação com os proprietários e colaboradores das Fazendas da região da Fazenda Alegria, no modelo participativo original do "trabalho de Gado", um tipo de mutirão entre vizinhos, coordenado pelo proprietário Heitor Miraglia Herrera e sua filha Bruna Paes Herrera. A demonstração de queima prescrita foi um dos momentos mais simbólicos do evento, na ocasião, foram entregues Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), e equipamentos de combate, entre eles abafadores, sopradores e pinga-fogos para a brigada voluntária da Fazenda Alegria treinada durante o evento.

A primeira edição dos Dias de Campo se encerrou com o compromisso de continuidade e ampliação das ações conjuntas, fortalecendo o papel do fogo como elemento de cuidado e equilíbrio no Pantanal, tirando o fogo da posição de "proscrito" para a de Prescrito.

O evento foi uma realização do Instituto Terra Brasilis de Desenvolvimento Socioambiental (ITB), Mupan, Wetlands International Brasil e Imasul. Foram parceiros do evento a UFMS, Nefau, Fazenda Alegria, Sindicato Rural de Corumbá, Embrapa Pantanal, Corpo de Bombeiros Militar de MS e Prevfogo-Ibama e a Associação de Brigadistas Kadiwéu (ABINK). O apoio financeiro para a realização do projeto foi do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), por meio do Projeto Estratégias de Conservação, Restauração e Manejo para a biodiversidade da Caatinga, Pampa e Pantanal (GEF Terrestre), que é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e tem o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como agência implementadora e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO) como agência executora