Mulher quilombola conta como as áreas úmidas ajudam no sustento de sua comunidade

08/03/2019

Por Josiane Barbosa e Leandro Barbosa

Luzia Rodrigues Osório aprendeu na infância a respeitar água e a terra, atitude herdada de seus pais ribeirinhos e pescadores, descendentes de negros escravizados no Brasil. A mulher, de 41 anos, vive no Quilombo Osório, território que reúne 23 famílias - cerca de 400 pessoas - em Corumbá, na Bacia do Alto Paraguai - região do Pantanal Sul-mato-grossense. Quando a comunidade se estabeleceu na região, há 25 anos, não havia água encanada, luz, coleta de lixo, os acessos eram difíceis o que a deixava isolada do resto da cidade, tornando os seus problemas ainda mais difíceis.

Luzia cresceu às margens do Rio Paraguai, no Pantanal, e aprendeu a cultivar hortaliças se aproveitando da dinâmica das áreas úmidas. Foto: Pauliane Amaral
Luzia cresceu às margens do Rio Paraguai, no Pantanal, e aprendeu a cultivar hortaliças se aproveitando da dinâmica das áreas úmidas. Foto: Pauliane Amaral

Os quilombolas transformaram a sua intimidade com o Pantanal em solução para os seus problemas. Alocados às margens do Rio Paraguai, a comunidade entendeu a dinâmica das Áreas Úmidas, e a usou para favorecer a agricultura familiar. "Aqui todo tipo de hortaliça que você plantar nasce", conta, Luzia. Para ela o segredo disso é a riqueza que a natureza oferece. "A gente se utiliza das plantas da região, como a Aguapé, que serve como adubo para a plantação. Ela vem com as cheias dos rios e quando seca ela fica na terra e se decompõe, fertilizando o solo". 

A Aguapé trazida pela cheia do Rio Paraguai serve de adubo e fortalece a produção das famílias da comunidade. Foto: Pauliane Amaral
A Aguapé trazida pela cheia do Rio Paraguai serve de adubo e fortalece a produção das famílias da comunidade. Foto: Pauliane Amaral

À frente da Associação da Comunidade Quilombola Família Osório, Luzia incentiva outras mulheres da comunidade a se envolverem nas atividades de agricultura familiar. Além disso, busca firmar parcerias com governos e organizações da sociedade civil, visando recursos para a manutenção da horticultura, que alimenta e gera renda a todos os envolvidos no projeto. Ela é um símbolo na luta pelos direitos humanos no quilombo. Seu trabalho já alcançou benefícios que, mesmo sendo garantidos por lei, outrora não chegavam à região, como o acesso à cultura, saneamento, educação e esporte. 

A agricultura familiar tem sido a base da renda de muitas famílias no Quilombo do Ozório. Foto: Pauliane Amaral
A agricultura familiar tem sido a base da renda de muitas famílias no Quilombo do Ozório. Foto: Pauliane Amaral

O incentivo ao cuidado com o meio ambiente também é premissa em seu trabalho com a comunidade. "A limpeza vem através da gente. Se a gente vê uma [garrafa] pet, latinha, canudinho de plástico a gente pega. As pessoas precisam entender que isso não pode mais acontecer!". A quilombola enfatiza, "cuidar do meio ambiente diz respeito a um modo de vida necessário para bem-estar das pessoas". Para ela, o barulho da água e da natureza é sinônimo de paz.

Com 3.400 km de extensão, o Corredor Azul engloba o quarto maior sistema de zonas úmidas do mundo, cujo coração é o rio Paraná e o rio Paraguai na América do Sul. A Wetlands Internacional, junto com a Mupan, trabalha no Programa Corredor Azul, financiado pelo DOB ​​Ecology, nessa área, para melhorar a resiliência da comunidade que vive próxima e depende do sistema de zonas úmidas.

Texto originalmente publicado em Wetlands Internacional